9.11.20

Ensaio > Honda 'e' Advance

De linhas suaves e minimalistas o Honda e nasce como tributo à série N do final dos anos 60 e à primeira geração do Civic. Assim como estes foram modelos de extrema importância para a marca japonesa, o Honda e segue esse legado como o primeiro veículo 100% elétrico (BEV) da Honda na Europa.

Tendo testado praticamente todos os modelos da Honda disponíveis no mercado português nos passados 7 anos e possuído vários modelos de várias gerações, nenhum gerou um efeito psicológico e irracional como este pequeno Honda (e eu que nem sou entusiasta de pequenos citadinos)... pensando melhor, por outras emoções geradas, junto o Civic Type R a esta lista "precisar não preciso, mas quero".

DESIGN E EQUIPAMENTO
Neste revivalismo vencedor do prémio Red Dot 2020, a Honda quebrou com o design contemporâneo de linhas vincadas e aberturas por tudo o que é lado, dando ao seu primeiro veículo elétrico europeu um visual muito próprio e que, segundo a marca, irá caracterizar outros elétricos que poderão surgir.

Pouco maior que um Mini e ligeiramente mais curto, largo e baixo que o novo Honda Jazz, o Honda e apresenta-se com uma postura compacta, estável e robusta. Caraterísticas que conferem ao modelo um visual mais atual e atrativo que, em conjunto com a cor amarela da versão ensaiada, a falta de espelhos retrovisores exteriores e a ausência de barulho dos motores convencionais, virou muitas cabeças despertando a atenção de várias pessoas que o avaliavam não com um olhar de rejeição, repulsa ou gozo mas, pelo contrário, com interesse, curiosidade e apreciação.


No geral, o design do Honda e (como o de outros modelos Honda) é daqueles que ou se gosta ou não, mas mesmo quem não seja fã, ao fim de algum tempo e principalmente depois de experimentar o carro, assume que existe qualquer fator de "adorabilidade" e magnetismo que os fazem simpatizar com o modelo. Vítima desse fator acabei, pela primeira vez, a dar alcunhas a um carro de ensaio. Inspiradas pela conjugação das cores e pela energia que o move, o simpático e cativante Honda e passou a ser apelidado de "pikachu" e "limão" durante resto do ensaio.

Na frente, especialmente nas cores mais claras, sobressai a "grelha" preta que integra os faróis redondos LED, o emblema delineado a azul e o botão para abertura da portinhola em vidro negro de acesso à tomada para carregamento, a traseira mimetiza a frente com a mesma barra negra a incorporar os farolins LED e a câmara traseira.
Tudo parece funcionar em perfeita harmonia, com a forma da "grelha" a ser reproduzida em vários elementos do carro como nos puxadores embutidos, nos "espelhos" retrovisores, nos raios das jantes de 17", nos faróis de nevoeiro e nas luzes dos travões e marcha-atrás, ou ainda na concavidade que aloja as matriculas, com a linha lateral do capô que continua através de um vinco até à traseira, delineando o pilar C até ao tejadilho, ou mesmo os puxadores das portas traseiras disfarçados na estrutura do vidro.

No entanto, toda esta simplicidade e minimalismo levaram a algumas falhas do funcionalismo de certos pormenores que espero sejam revistos na atualização de meia vida. É o caso do desenho do suporte das câmaras retrovisoras que, em dias de chuva, ocasionalmente, podem acumular um pingo num dos cantos das câmaras reduzindo a metade o perfeito visionamento (não é frequente, mas pode acontecer), ou a localização da câmara traseira que, devido à constante pulverização da água, vê a sua função de espelho retrovisor central inutilizada, tendo nestas situações que se girar o espelho para adotar a posição de espelho tradicional (uma vez seca, a definição da imagem é perfeitamente restabelecida).
Já os puxadores retráteis das portas frontais, que funcionam na perfeição ao sobressaírem automaticamente quando o veículo deteta a chave, uma vez recolhidos, quando existe a necessidade de os manusear, requerem um pouco de treino para se conseguir abrir a porta apenas com uma mão.


Uma vez dentro do Honda e, deparamo-nos com um habitáculo como nenhum outro num carro deste segmento. Automaticamente os olhos são direcionados para o elemento que mais se destaca, o tablier onde se encontra o cluster de painéis digitais e os ecrãs das câmaras retrovisoras, seguindo-se depois um bailado por tudo o que é recanto e pormenor na frente e na traseira do habitáculo, descobrindo detalhes e particularidades que fazem este interior assemelhar-se a um género de salinha de estar com acabamentos bem construídos e de qualidade.

É o tecido dos estofos dos bancos e o castanho das costuras e dos cintos de segurança que nos remetem para os cadeirões vintage de uma sala lounge dos anos 60, é a suave imitação de madeira do revestimento do tablier e da consola central, são os botões principais de controlo do rádio e do sistema de infoentretenimento, e as grelhas de ventilação mais uma vez a lembrar os rádios antigos, sem esquecer os pequenos focos de iluminação posicionados centralmente no tecto suficientemente fortes para iluminar todo o habitáculo e que podem ser controlados aos pares pelos ocupantes traseiros.

Embora sendo um interior muito bem construído e com alguns materiais de toque mais suave e agradável, esperava um pouco mais de atenção à qualidade dos plásticos duros usados, principalmente tendo em conta o intervalo de preços em que a marca posicionou o citadino.

Considerando que estamos perante um citadino de pequenas dimensões, o conforto é bastante bom. Embora não tão envolventes como os bancos que encontramos em segmentos superiores, a ergonomia dos bancos frontais está bem conseguida e oferece uma boa posição de condução, no entanto, ainda que suficiente para quem faz uma utilização diária de percursos de curta distância, o apoio lombar deveria ser melhorado numa futura atualização (talvez permitindo o seu ajuste) pois, em percursos contínuos superiores a 100km, o meu 1,65m agradecia um pouco mais de apoio lombar. A mesma ergonomia estende-se ao banco corrido traseiro que, sem a elevação central "separadora" dos dois lugares, oferece um adequado nível de conforto para um citadino e suficiente espaço para as pernas desde que os ocupantes à frente não sejam jogadores de basquetebol.


Uma nota ainda para o volante multi-funções de dois raios em pele com uma pega bastante agradável e onde se encontram os comandos para o cruise control e o seletor do menu do computador de bordo, através do qual se reinicia (carregando na rodela) o conta quilómetros das viagens, embora o histórico se possa eliminar através do sistema de infoentretenimento. E ainda, para as generosas e eficazes palas solares que conseguem ter uma posição suficientemente descida para bloquear o sol mais baixo sem prejudicar a visibilidade durante a condução.

Depois, temos a atualidade espelhada nos vários comandos da parafernália de equipamentos que tornam este modelo num hub de tecnologia, e nos vários tipos de tomadas para a conectividade dos mais variados aparelhos, existindo entradas USB, HDMI, uma tomada 12V de 180W e até uma tomada AC de 230V para ligar dispositivos ou pequenos eletrodomésticos, ou mesmo recarregar outro veículo elétrico graças ao conversor (algo que na pratica é possível, mas não muito viável ou recomendável).

O Honda e, principalmente nesta versão topo de gama, vem equipado com tudo o que podemos encontrar num modelo de segmento bem superior. Temos à disposição um pacote de sistemas de segurança e assistência à condução extremamente completo, condução semi-autónoma (derivada do cruise control), estacionamento autónomo (embora o condutor tenha que estar dentro do veículo), e monitorização "aérea" na assistência ao parqueamento ou marcha-atrás (embora exista alguma distorção vertical em algumas situações). Graças à inteligência artificial, conta ainda com um assistente pessoal (necessita de ligação à internet) com quem podemos "falar" e que torna uma boa parte da interação com o sistema de infoentretenimento mais fácil.

Os dois ecrãs táteis e anti-reflexo do sistema de infoentretenimento, o ex-libris do habitáculo do Honda e, facilitam de forma inovadora a interação com o sistema, quer pela disposição das várias aplicações quer pelo acesso a estas, dando a possibilidade de personalizar os menus de acesso rápido bem como que aplicação aparece em que ecrã, permitindo ainda trocar a informação de um ecrã para outro.
Tal como quando trocamos de telemóvel ou sistema operativo, esta nova interação com a interface leva algum tempo a criar habituação e a personalizar, mas uma vez familiarizados torna-se bastante fácil o seu funcionamento.


Uma das novidades deste modelo é a substituição dos tradicionais espelhos retrovisores por câmaras. Uma alteração que abona muito em prol da segurança da condução dado que efetivamente é um meio bastante mais eficaz que o espelho tradicional. Não fosse o muito esporádico problema da acumulação de gotas de chuva atrás mencionado (algo que pode ser retificado no futuro), a câmara retrovisora e os ecrãs interiores permitem um visionamento mais nítido dos acontecimentos, mesmo com fraca iluminação, eliminando o problema da acumulação de gotas nos espelhos e vidros, embaciamento ou diminuição de visibilidade por eventual sujidade dos vidros das janelas. Já no interior, o retrovisor central tem a possibilidade de funcionar como um espelho tradicional anti-reflexo mas também com a utilização da câmara traseira, mais uma vez permitindo um visionamento excelente e com grande definição, isto quando a câmara não é afetada pela pulverização da água projetada pelos pneus.

A adaptação a este tipo de retrovisores dependerá de cada um, no meu caso foi pacífica e imediata, sendo que apenas o retrovisor central requer a perceção de que o veículo que circula atrás de nós é visualizado mais próximo do que na realidade se encontra, essa perceção é clara quando o veículo pára atrás de nós e vemos o seu condutor como se este estivesse colado ao nosso vidro traseiro sem vermos nada do capô do seu carro.

A bagageira é típica de um verdadeiro citadino de reduzidas dimensões e chega perfeitamente para o dia a dia (171 lt). Com o encosto do banco na posição normal, dá para ir às compras mensais de supermercado para 2 pessoas e pouco mais, ou buscar alguém ao aeroporto que não traga mais do que duas malas familiares. Com o encosto rebatido, a capacidade aumenta substancialmente, chegando aos 567 lt até aos vidros e 857 lt até ao tecto, permitindo assim uma ida controlada ao IKEA.


MOTOR E CONSUMOS
O Honda e chega-nos com duas opções de potência e uma transmissão de relação fixa, sendo que na versão ensaiada temos disponível 154 cv (113 kW) e um binário de 315 Nm (o mesmo que o CR-V) que nos leva dos 0-100 km/h em 8,3 segundos (pouco mais que o Mini Eletric).

Oito segundos talvez possa parecer muito para um carro tão pequeno, mas é mais do que o suficiente para os cenários de condução para o qual foi concebido.

Outra consequência de termos a totalidade do binário disponível instantaneamente quando carregamos a fundo no acelerador, é a aceleração imediata e forte característica dos BEV, uma aceleração capaz de nos empurrar contra o encosto do banco e que dá vontade de repetir vezes sem conta sempre que arrancamos, mas totalmente desaconselhado se quisermos esticar ao máximo a autonomia.

O que nos leva ao que, para muitos, será um dos grandes pontos fracos do Honda e, a sua autonomia. A Honda optou por equipar o modelo com uma bateria de 35,5 kWh de forma a otimizar o peso, a velocidade de carregamento e, mesmo assim, disponibilizar autonomia mais do que suficiente para as viagens diárias em cidade e uma escapadinha um pouco mais longa aos fins de semana. E convenhamos, trata-se de um citadino puro e, segundo o que consegui verificar, é bastante razoável para estes pressupostos.


Durante todo o ensaio, o Honda e circulou um total de 483 km, sendo que logo no primeiro dia saiu de Lisboa, foi passear à Ericeira, deu um pulo às Azenhas do Mar e outro a Sintra, chegando ao seu destino na margem sul com uma "reserva" para 15 km (9% da bateria, a luz da reserva surge aos 15%), perfazendo 140 km de viagem sob chuva, por vezes intensa, com um consumo médio de 17,8 kWh/100km.

O resto do ensaio foi pautado pela melhoria das condições climatéricas e um misto de auto-estrada e rotas extra-urbanas de nacionais com alguns percursos de serra, durante o qual foram registadas médias que variaram entre 14,9 a 17,3 kWh/100km.

No final do ensaio, entreguei o "pikachu" com o computador de bordo a anunciar um consumo combinado de 16,7 kWh/100km. Nada mau, tendo em conta que não houve qualquer preocupação em realizar uma condução económica, que devido ao meu tempo foi utilizado o desembaciador do pára-brisas por diversas vezes e que 80% dos vários circuitos efetuados não beneficiaram a travagem regenerativa.

Não será fácil chegar à autonomia anunciada de 220 km da versão base ou aos 210 km da versão Advance mas, de acordo com o que pude apurar, poderá contar com valores reais entre os 170 a 200 km de autonomia.

Relativamente aos carregamentos, o tempo de carregamento irá depender muito da potência disponibilizada pelos carregadores. O Honda e vem equipado com um cabo para carregar em qualquer tomada doméstica (demorando pouco mais de 18h para uma carga completa) e outro para carregamentos rápidos (carregando 80% da bateria em 30 minutos num carregador rápido). A bateria permite o carregamento rápido através de tomada CCS2 DC ou Tipo 2 AC.


COMPORTAMENTO 
Firme mas sem ser muito dura, a suspensão é excelente para um citadino. Conseguindo absorver de forma adequada as imperfeições das estradas portuguesas ao mesmo tempo que, juntamente com um controlado rolamento da carroçaria e ajudada pelo baixo centro de gravidade, a suspensão dota o modelo de uma estabilidade fora de série, mesmo quando surge algum inesperado lençol de água.

Enfrentando vários quilómetros de estrada debaixo de chuva intensa, o pequeno Honda de tração traseira não se deixou intimidar e proporcionou uma condução confiante o suficiente para que a minha preocupação se focasse apenas nos outros veículos.

A direção tem a precisão de um kart, e para isso muito contribui a distância entre eixos de 2,538m e o raio de viragem que é de deixar qualquer um de boca aberta de tão curto que é (4,3m), perfeito para as ruas estreitas dos bairros citadinos mais antigos e do traçado sinuoso e apertado das típicas aldeias medievais. A travagem é suave e eficiente, quando necessário, e poderosa assim que pressionamos o pedal com um pouco mais de vigor.

Todo este conjunto favorece uma condução bastante divertida e dinâmica. Em modo normal, considerando a relação potência/binário e peso (1520-1543 kg), o Honda e oferece um andamento ágil bastante agradável e consistente, sendo bastante despachado nas ultrapassagens. Se houver necessidade de um ligeiro aumento da resposta, basta apenas selecionar o modo Sport.

O controlo de pedal único é um regalo no pára-arranca da cidade, possibilitando ao condutor acelerar, abrandar e parar usando apenas o pedal do acelerador. A força da desaceleração pode ser regulada conforme a preferência do condutor através do seletor localizado no volante.

Mesmo para quem seja um ás a estacionar, o estacionamento semi-autónomo, exclusivo do nível de equipamento Advance e que a Honda chama de Parking Pilot, é um mimo e dá vontade de repetir uma e outra vez só pelo gozo. O sistema utiliza 4 câmaras e 12 sensores, e funciona na perfeição em lugares diagonais, longitudinais e paralelos desde que devidamente delimitados e mesmo com tráfego nas imediações (veja o vídeo em baixo). Sem delimitações o sistema nem sempre detetou o lugar.


VALORES
O modelo é comercializado em Portugal com 5 cores à escolha: branco, preto, cinza escuro, amarelo e azul, e apenas dois níveis de equipamento, o e e o Advance. A Honda abrange ainda o modelo com 7 anos de garantia sem limite de quilómetros e dá 8 anos ou 160.000 km de garantia na bateria.

O primeiro nível de equipamento tem um PVP inicial de 36.000€ que após despesas logísticas ficará por cerca de 37.340€. Já o segundo é comercializado por 38.500€, sendo que no final ficará por cerca de 39.840€. Se optar por uma das quatro pinturas metalizadas acresce mais 650€.

A marca japonesa ao conceber o Honda e posicionou-o num patamar de semi-luxo, ora este posicionamento, pelo menos no nosso mercado, não o beneficia comercialmente.
No entanto, tendo em conta as suas dimensões, especificações e tudo o que o modelo oferece, se analisarmos de uma perspetiva comparativa com alguns dos seus atuais concorrentes diretos como é o caso do Mini Eletric, cujo PVP varia entre os 34.400€ e os 41.400€ (sem despesas logísticas), o preço do Honda e continua a ser elevado mas não tão descabido. 
 
De qualquer forma, considerando que a Honda conta com este modelo para reduzir a sua cota de emissões na Europa e assim evitar onerosas penalizações, talvez não tenha sido a melhor jogada criar um citadino que embora sedutor chega ao mercado europeu com um custo que não será para todas as carteiras.


VEREDITO
Tal como aconteceu com os telemóveis cuja principal função (telefonar) foi quase renegada para segundo plano em detrimento da conectividade e informação, o Honda e explora esse lado interativo com o seu proprietário e ocupantes como provavelmente nenhum automóvel deste segmento o fez até agora. Elevando a sua principal função a outro patamar, oferece uma experiência de condução diferente, tornando-se tanto um meio de locomoção intuitivo como um meio tecnológico adaptável e facilitador de informação, conectividade e interação artificialmente inteligente centrado nas necessidades da vida diária do seu proprietário.

Durante um ensaio que começou bem molhado e acabou com o mau tempo a dar tréguas, o pequeno adorável e fofo Honda mostrou-se um veículo apaixonante que, apesar dos seus deslizes (alguns facilmente retificáveis, outros talvez nem tanto), me colocou numa situação de "razão vs emoção", mas conquistando-me e deixando-me com uma enorme vontade de "adotar" um.

Por um lado temos entre outros aspetos, o baixo custo de circulação, o design, a tecnologia e um habitáculo diferenciador  que produzem um "je ne sais quoi" desejável que nos faz querer ter um, por outro lado temos a relação proveito/preço de aquisição que nos balança para o lado da razão, tornando a possível compra num acto mais emocional do que racional. É como ter um anjo e um diabo em cada um dos nossos ouvidos, com cada um deles a puxar a brasa à sua sardinha.


Conheça mais acerca do primeiro elétrico da Honda para o mercado europeu: Honda e - toda a informação

 




C. Ruivo
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